Eu preciso falar sobre isso. Eu preciso falar das correntes
que prendem muitos todos os dias. Eu preciso falar sobre Daniel, Matheus,
Thiago, Ana, Sara, Sofia, Cássia, Fernanda e Ed. Eu preciso falar de anônimos
que são mais do que sentem, e nem sabe por si a potência que são. Isso é sobre
mim, e sobre muitos que eu amo (e que eu amei ou amarei).
Quando eu comecei a me dedicar a carreira de professor,
consegui uma constante valiosa em minha vida, mas que veio como uma bomba: eu
não trabalhava as tardes. E não trabalhar nas tardes poderia implicar em
momentos escrita interessantes, leituras com significados, maratona de várias
séries, cursos de dois idiomas, bolos de chocolate em série e toda uma variável
de coisas que eu poderia fazer com quatro horas a mais, para mim, por dia,
certo? Errado. Eu poderia ter escrito, cozinhado, lido, estudado, assistido,
mas não o fiz. Eu ora dormia, ora pensava em todo o tempo que eu estava
desperdiçando, e desperdiçava tempo por estar mal por ter desperdiçado
tempo. É um ciclo. E aos poucos os
cadernos foram parecendo desinteressantes e eu fui deixando de falar com os
amigos por achar que eles estavam ocupados demais. Me ative do Mercado Livre
(sim, o site) e já teve dia de o carteiro bater no portão de casa duas vezes:
me ative ao consumo. E quando acabava as condições de consumo, eu tinha de
sobreviver comigo mesmo. Sim, SOBREVIVER.
Antes eu tinha toda uma vida que prendia ao viver. Me prendia
as pessoas. Era simples, mas era verdadeiro (que clichê verdadeiro!). Mas de
repente fui me prendendo a energia de uma casa vazia. Fui sendo sugado por uma
casa vazia. Fui me esvaziando. E eu dormia, horas do meu dia. Me irritava
quando era possível dormir quatro horas e só dormia duas. E os meses se
passaram.
Comecei a cobrar dos outros fazerem mais por si e a fazer
menos por mim mesmo. O espelho logo mostrou aquilo que não quis ver na balança,
e as peças do guarda-roupa perderam aos poucos a utilidade. Tive um ataque de
pânico silencioso no ônibus. Me sentia a pior pessoa do mundo. Na escola, todos
estavam lá empolgados com as derivadas e as funções trigonométricas e eu só
pensava em como tudo era tedioso, e em como o meu silencio era saboroso.
Escrevi duas cartas para um escritor falecido, e escreverei outras: eu preciso
falar e talvez vocês não estejam aptos a saber tudo.
Quando eu vi onde eu tinha me metido, eu estava em um lugar
escuro. Me matando aos poucos. Fiquei dias sem sorrir e sem usar as redes
sociais (não que isso seja necessariamente ruim, mas nesse contexto é). Limitei
os meus cumprimentos de bom dia e a grama do vizinho era a mais verde. Parei de
amar e gritei no meu delírio saudável que eles é quem tinham deixado de me
amar. Quando eu abria os olhos eu nada via e fechar e abrir era apenas um
movimento mecânico: eu precisava sair dali logo, eu conhecia esse quarto, eu já
estive ali tempos atrás e eu carreguei uma cruz que ninguém pode me ajudar. E
ainda carrego.
Me acorde desse pesadelo.
Tive de levar uns bons tapas. Tive de ir até mais perto. Tive
de sentir o impacto. Tive de perder a paz e clamar por ela. O silencio de uma
mente em paz é diferente do silencio de uma mente vazia. Um dia você aprende a
diferença entre os silêncios.
Problematizei meu estado e pensei em pedir ajuda. Mas não
recorri a esse recurso, ainda, não sei depois. Abri as janelas, limpei a casa,
tirei o pó e achei justo fazer jus ao meu discurso: que o amor me habite. Que
eu sinta o amor. Que o amor me leve. Que o amor me traga. Que os doces lábios
de um ser com alma boa lance-me um beijo molhado, doce, alegre, de paz. Que o
aconchegante abraço não me seja mais ausente. Que o meu rosto exponha a marca
de batom da professora de ciências. Que o sorriso não morra. Que minha casa não
fique vazia e que eu nunca sofra de alguma disfunção.
Eu precisei desconstruir. Empoderar. E dar-me o poder que eu
tenho: o poder de ser o expoente, de controlar o tempo, de ser dono de mim, de
viver a minha história. De saber onde eu vou e porquê, e de escrever as minhas
linhas. Empoderei-me com base nas minhas crenças que morrem por que a gente se
permite acostumar. E enquanto eu me acostumei com o conforto do colchão eu não senti
as dores nas pernas de tanto andar Belo Horizonte. Busquei o poder que me disse
que minha capacidade de aprendizagem é infinita e que ser bom em algo é uma
questão de poder. Eu posso.
Eu poderia cantar Portão nesse momento, mas minha voz não é
lá essas coisas. Eu apenas direi que amo e que estou esperando o seu abraço. O
seu abraço em mim e em você, e no meio do nosso abraço nossas mãos juntas no
alto porquê somos os melhores que podemos, e a única pessoa na qual devemos
sempre buscar ser melhor é o nosso eu do passado.
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