Lá em casa agora se estabeleceu uma moda nova:
trancar as portas do quarto. É engraçado até. Alguém sai do quarto, puxa a
porta e em seguida tranca. É uma sucessão de barulhos estranhos. Eu não entendo
muito bem essa coisa de porta trancada. Dizem que é para ter mais privacidade.
Privacidade no vazio? Será que é para que uns não usem os bens dos outros? Deve
ser, eu não entendo muito bem essa coisa de porta trancada.
Ao oposto do que andam fazendo, escancarei
minha porta. Até dormir com ela aberta, ando dormindo. Mesmo correndo o risco
de alguém me ver de cueca. Não me importo. É estranho pensar naquele espaço
como sendo só meu, e de repente me incomodar com alguém usando ali. Não tenho
muitos bens, mas os que eu tenho, me conforta deixar que usem.
Ontem na aula, um cara duns 30 anos que estuda
com a gente, durante um debate disse algo que me fez pirar, e desmontar minha
casa de verdades, como criança desmontando castelinho de Lego, ele disse algo
como: “[...] para que vamos ganhar um salário alto, se isso não faz sentido?
Para eles (alguém) tudo é uma questão de comprar um telefone, uma casa, um
carro: e para que isso se não tem sentido. Eu ganho bem, e poderia ganhar mais,
mas para quê? Para fazer algo que eu não acredito [...]”. Eu fiquei olhando para
ele. Aquela mente sempre calada na sala e de repente dizendo coisas que fez
calar minha boca falante.
Para que ter uma casa grande, com alguns
quartos, dando espaço a todos, mas trancam as portas? Isso me lembra um amigo
que morou nessas republicas de centro de cidade em que você pagava um valor lá
e tem direito a um quarto com banheiro e divide o resto do espaço em comum. Eu
gosto do privado. Gosto do sumir, desligar o telefone, de ficar em silêncio na
minha, mas nunca fui fã de portas trancadas. E se alguém quiser visitar meu
mundo? E se eu sofrer um acidente no ônibus e alguém precisar invadir o quarto
para pegar documentos? E se eu precisar que alguém acesse meu computador e me
envie o arquivo que eu esqueci de salvar no pendrive? E se eu precisar que
fechem a janela quando a esquecer aberta? Já me sinto só demais para ainda ter
de pensar que minhas coisas serão somente minhas, e o material, infelizmente,
não se separa dos sentimentos. E os significados de dividir algo com quem
amamos?
Trancaram as portas e ao sair de casa tranquei
a minha. Talvez em protesto. Talvez por ser babaca. Talvez por querer sentir o
poder de provar que aquele espaço é meu e ninguém deve invadir. Com isso, eu
sei o que vou encontrar quando chegar, e sei que ninguém vai tirar a toalha
molhada de cima da cama, muito menos colocar minhas cartas sobre a mesa de estudos,
e nem deixar um chocolate por ali. Mas eu tranquei assim mesmo. Tive de me
impor como um adulto.
Saí de casa e cinco minutos depois liguei para
o meu pai e contei pra ele onde deixei a chave.
Nenhum comentário:
Postar um comentário