quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Portas trancadas

Lá em casa agora se estabeleceu uma moda nova: trancar as portas do quarto. É engraçado até. Alguém sai do quarto, puxa a porta e em seguida tranca. É uma sucessão de barulhos estranhos. Eu não entendo muito bem essa coisa de porta trancada. Dizem que é para ter mais privacidade. Privacidade no vazio? Será que é para que uns não usem os bens dos outros? Deve ser, eu não entendo muito bem essa coisa de porta trancada.

Ao oposto do que andam fazendo, escancarei minha porta. Até dormir com ela aberta, ando dormindo. Mesmo correndo o risco de alguém me ver de cueca. Não me importo. É estranho pensar naquele espaço como sendo só meu, e de repente me incomodar com alguém usando ali. Não tenho muitos bens, mas os que eu tenho, me conforta deixar que usem.

Ontem na aula, um cara duns 30 anos que estuda com a gente, durante um debate disse algo que me fez pirar, e desmontar minha casa de verdades, como criança desmontando castelinho de Lego, ele disse algo como: “[...] para que vamos ganhar um salário alto, se isso não faz sentido? Para eles (alguém) tudo é uma questão de comprar um telefone, uma casa, um carro: e para que isso se não tem sentido. Eu ganho bem, e poderia ganhar mais, mas para quê? Para fazer algo que eu não acredito [...]”. Eu fiquei olhando para ele. Aquela mente sempre calada na sala e de repente dizendo coisas que fez calar minha boca falante.

Para que ter uma casa grande, com alguns quartos, dando espaço a todos, mas trancam as portas? Isso me lembra um amigo que morou nessas republicas de centro de cidade em que você pagava um valor lá e tem direito a um quarto com banheiro e divide o resto do espaço em comum. Eu gosto do privado. Gosto do sumir, desligar o telefone, de ficar em silêncio na minha, mas nunca fui fã de portas trancadas. E se alguém quiser visitar meu mundo? E se eu sofrer um acidente no ônibus e alguém precisar invadir o quarto para pegar documentos? E se eu precisar que alguém acesse meu computador e me envie o arquivo que eu esqueci de salvar no pendrive? E se eu precisar que fechem a janela quando a esquecer aberta? Já me sinto só demais para ainda ter de pensar que minhas coisas serão somente minhas, e o material, infelizmente, não se separa dos sentimentos. E os significados de dividir algo com quem amamos?

Trancaram as portas e ao sair de casa tranquei a minha. Talvez em protesto. Talvez por ser babaca. Talvez por querer sentir o poder de provar que aquele espaço é meu e ninguém deve invadir. Com isso, eu sei o que vou encontrar quando chegar, e sei que ninguém vai tirar a toalha molhada de cima da cama, muito menos colocar minhas cartas sobre a mesa de estudos, e nem deixar um chocolate por ali. Mas eu tranquei assim mesmo. Tive de me impor como um adulto.


Saí de casa e cinco minutos depois liguei para o meu pai e contei pra ele onde deixei a chave.

Nenhum comentário:

Postar um comentário