sexta-feira, 8 de julho de 2022

Voltando para dentro

             Gosto de pensar na beleza interna de cada coisa. Uma cena que tem me alegrado muito – e me emocionado com certa intensidade – é quando minha irmã acaricia a sobrancelha do meu sobrinho até ele adormecer. Fico pensando na intimidade construída a ponto de perceber na sobrancelha um lugar de calmaria, repouso, tranquilidade, mansidão. É uma cena que atravessa a beleza dos gestos mãe-filho e se encontra com nosso instinto de reconhecer o belo na natureza.

Pensar na beleza subjetiva do que está em volta traz para a cena a grandeza do outro. E entendo que repertórios nos levam para o processo de afiar a sensibilidade; e estar sensível ao mundo constrói novos repertórios. E esse processo se retroalimenta: vamos nos sensibilizando pelas cenas da vida e nos tornando sensíveis a partir das cenas da vida.

A partir dessas cenas que vamos compondo partindo da observação do outro nos leva a refletir sobre as nossas relações com essas cenas. Em terapia, já alonguei muito falando sobre como alguém agia e no meio da fala percebi ser eu quem estava sendo descrito.

As cenas que construímos são essencialmente mesmo sobre o outro?

Nada mais belo do que uma mãe que aninha seu filho, num gesto que é instintivo. A mãe que reconhece nos grunhidos se é hora de tirar ou pôr uma peça de roupa, se é a mamadeira ou o sono que faltam. Se quer ficar em pé ou deitado. E até mesmo a necessidade do meio-termo.

Nada mais belo do que ser aninhado por uma mãe. Troque mãe por alguém que você julga que poderia te aninhar e levaria para essa experiência do materno. Nada tão bom quanto ter seus grunhidos primitivos ouvidos, atendidos, compreendidos.

Penso nas cenas bonitas como possibilidades de construção de novas memórias afetivas. Vendo minha irmã aninhando meu sobrinho me faz pensar sobre esse amor que atravessa e que cobra compromisso, disposição, calma, energia.

E penso também em cada uma das crianças da escola que não sei se são aninhadas em casa. E nas famílias que não sei se sabem que podem só aninhar os seus filhos.

Conversando com Rita nessa semana, concluímos que talvez o que podemos fazer de mais importante ao trabalhar com as crianças e suas famílias é auxiliar no processo de proximidade entre as partes. Conversar com as famílias sobre necessidades e afetos. E a necessidade do afeto. E os afetos que partem da necessidade.

É bom estar de volta.

2 comentários:

  1. E cada fez mais se faz necessário acolhermos mutuamente. E em se tratando das crianças é primordial este acolhimento. Por isto todos os dias tenho pedido a Deus para que eu seja um ser humano melhor.
    Amei seu texto❤️

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  2. Ah, um grande abraço, Valéria

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