Acordei hoje inquieto. Tenho estado assim já faz um tempo. Um tempo grande. Acho que começou no dia em que eu me perguntei sobre minha dificuldade em me respeitar – ou facilidade nos autoatropelamentos. De lá para cá, tem sido essa inquietação constante.
Acordei hoje inquieto e quis
pôr o corpo para jogo. Uns afagos com o moreno, leitura de umas páginas do
livro, abrir a portas para os cachorros irem lá fora... não bastou. Fui tomar
café com um amigo. Falamos da rotina, do trabalho, dos planos de compras, de
família, dos planos para o feriado. Encontrei a calma nesse encontro.
De volta em casa, senti a
inquietação me levar a lavar uma vasilha aqui, limpar a gaveta da geladeira
ali, organizar os copos, pensar em mudar os vasos das plantas, guardar os
pacotes de folhas. Tudo foi sendo tocado, como se a inquietação precisasse se
expandir – ou talvez não aguentasse mais ser contida. Pensei nos planos para o
feriado. Nada que encha os olhos. Pensei no cardápio para o almoço. Nada que
desse água na boca. Pensei na trilha sonora. Nada que tocasse a alma.
Limpei a gaveta, organizei os
copos, minha mãe se ofereceu para trocar os vasos das plantas, guardei os
pacotes de folhas e segui pela casa. Guardar as roupas ali, lavar o banheiro
aqui, tirar a poeira acolá, juntar os livros soltos pela casa, passar o pano em
todo o espaço.
Ainda inquieto me dei conta da
faxina. Da limpeza. Do cuidado. Do labor. Do respeito. Do zelo. Da preservação.
Da mudança. Da valorização.
Peguei uma concha que trouxe de
Natal e ouvi o mar. O som do mar é o som do vento, pensei. Ouvi o mar e pensei
na viagem para o Rio de Janeiro que estou me demorando a fazer. Melhor ir para
o interior, me contrapus. Ou ficar em casa e juntar dinheiro para a viagem de
janeiro, segui enumerando para mim. A inquietude leva a isso. Isso não, aquilo.
Aquilo também não, esse outro.
Pus a concha no lugar e
organizei meus santos. Iemanjá no fundo, São Jorge e São Jerônimo lado-a-lado e
Nossa Senhora Aparecida na frente. Mulheres a frente e na retaguarda. A força
do feminino que protege, amamenta, garante a vida, que cuida, que mantém o
equilíbrio, que organiza. A força do feminino presente no dia do olhar para
dentro e da faxina por acaso.
Desde que comecei a estar
inquieto vem me agradando a quietude do autorrespeito. Verbalizar as minhas
querenças e não querenças sem insistir. Dar voz ao desejo. Acalma a inquietude
interna buscar a quietude externa e nesse momento, sinto que preciso dar isso a
mim.
Ontem no dentista veio a
prévia do diagnóstico de uma sinusite ocasionada por uma retirada de dentes.
Voltando para casa me lembrei que quando retirei os dentes, precisei
interromper meu repouso para ser útil em umas questões familiares e não segui
tão a risca a parte do absoluto do recomendado repouso absoluto. Senti na boca
o amargo – mais uma vez passei por cima.
A sinusite que começa a
incomodar com um edema no rosto, a faxina por acaso, a inquietação que só se
acalma com a quietude, as reflexões sobre os atropelamentos que faço comigo, a
sensação de que nada agrada...
Penso no Caio Fernando Abreu
em Outonos por dentro e em Breve introdução ao ciclo seco. Penso que é final de
inverno e a chuva volta a fazer parte do dia a dia. Penso no florescimento que
vem com a primavera. Lembro que é setembro e que já estamos cansados. Lembro
que essa é a vida pós pandemia e que talvez ainda não aprendamos a continuar
existindo.
Lembro e, ao som de Mogli – Wanderer,
transbordo. Transbordo na casa limpa e organizada. Transbordo fiel a inquietude
que é tão minha e que me lembra que preciso ser por mim. Transbordo porque
depois de tudo não posso mais nada senão transbordar. Transbordo porque já não
me caibo e crescer é não caber.
Forjei uma roupa e ela já não
me cabe dentro. Forjei uma vida e não sei se ela continua sendo minha.
Faxinas, acasos, forjamentos,
transbordes, conchas e sons do mar... a vida continua.
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