segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Tanto [ou nada] a dizer

 Já faz um tempo que essas linhas se inscrevem em mim. Se fixam em minhas ideias como as coisas que eu deveria estar escrevendo. Tem um tempo que o silêncio se instalou. Há uns dois anos o indizível começou a tomar novos contornos e eu me cansei de abrir o dicionário para buscar uma aproximação para o seu nome. Entendi o silêncio sonoro como alternativa para lidar com o que se põe na mesa — é sonoro porque as ideias fervem, talvez como nunca.

Tenho muita coisa para dizer. Desenho em minha mente um texto em que falo da terapia. Dos encontros quase que semanais com alguém que diante de uma tela de computador me ajuda com que eu me medeie. É alguém que me ajuda a estar entre mim e mim mesmo. É alguém que faz com que eu me escute e me acolha, algo no qual eu sempre fui tão bom em fazer/ser para os demais.

Talvez eu devesse falar sobre os processos, tanto os do tempo, quanto os burocráticos e o quanto aprendi com eles. Gosto da noção kafkiana de processo: o processo se processa e nos processamos enquanto processamos sobre o processo. É um processo amplo, multidimensional e quase metaversico. Tem também os processos da vida — não que os últimos se desvinculem dessa categoria: os lutos feitos, os não feitos que viraram compulsão e os que viraram outra coisa; tem a saudade, as idas, as vindas, as mudanças e tudo o que fiz diante disso.

Seria interessante eu falar sobre os aniversários bizarros. O dia em que minha avó se foi. A última vez em que falei com aquele amigo. As conversas familiares que delinearam algum trauma. A última vez que vi alguns membros da família materna. O dia em que meu cachorro machucou a pata tentando pular o muro. O aniversário dos que não estão mais aqui. Ou preferiram não estar.

Deveria mesmo era escrever sobre meu aniversário de 27 anos e em como de repente tudo fez menos sentido do que antes. E eu precisei parar de me importar. A Ana sugeriu que eu falasse dos 27 anos. Não dei conta. Precisava exortar para o mundo algo que me sustenta — e eu ainda não sei o que é.

Já me peguei refletindo sobre a sensação de pertencimento que vem surgindo de umas semanas para cá e de como eu me reconheço cada vez mais no cenário em que me criei — e de alguma forma sempre o neguei: de pé no chão, sem camisa, conversando alguma amenidade e dando gargalhadas. Ou deitado nos sábados e domingos a tarde com o meu namorado-quase-noivo-marido onde o sol estrala mamonas do lado de fora e nós dividimos o sofá, tão juntos e suados, debaixo de um cobertor e com o ventilador próximo ao rosto.

Talvez fizesse bem falar do meu processo de ida à clínica psiquiátrica e em como os ansiolíticos que regulam alguns processos neurológicos tem me tornado mais funcional e até mais aberto a vida. Nesse sentido, poderia discorrer sobre minha guinada à arte e a criatividade, minhas recorrentes idas (quase que silenciosas) a concertos, uso quase compulsivo de softwares de arte digital, o choro quase mudo sobre qualquer cena bonita que vejo pela vida.

A forma distinta como meus cachorros reagem com a vida talvez me rendessem bons parágrafos — a Phoebe sempre presente, intensa e se jogando em tudo; quase sempre censurada pelos recorrentes excessos. O Joey extremamente seletivo com os estímulos que responde e preza pela pompa de imprevisível; dono de si e sempre nos emociona nos raros episódios de demonstração de afeto. Os hábitos alimentares dos cães talvez fossem uma pauta interessante — a Phoebe come de tudo que oferecemos e come calmamente. O Joey é extremamente seletivo e devora as poucas coisas que o agrada quando é oferecido.

Tanto a dizer, a fazer e a ser.

Vou me perdoar pelo silêncio e pelos não ditos. Sigo apaixonado pela vida e permitirei que todas as linhas do mundo se inscrevam em mim. Se eu as escreverei, não sei. Não sei também o que direi, farei e/ou serei. São muitas portas para abrir e eu continuo aprendendo para que servem as chaves.

Bonita.

A vida é bonita.

Apesar de tudo, a vida é bonita.

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