Ele só precisava de um lar. Já
tinha uma casa, uma não, várias casas: tinha a casa do pai, a casa da mãe, a
casa da avó onde costumava almoçar aos domingos, a casa do amigo que cambaleou bêbado
duas ou três vezes, tinha também a casa de games onde comprava jogos pro x-box,
a Casas Bahia onde comprou o computador, o celular, a TV, a máquina de lavar...
Ele tinha várias casas e nenhuma
para chamar de lar. “E quando eu precisar de ‘voltar pra casa’?”, “E quando eu
precisar de deitar na cama para chorar, qual cama será de fato minha?”, “E
quando eu comprar a plaquinha “Lar doce lar”, onde que eu penduro?”, essas eram
umas das perguntas que embaraçavam sua cabeça de cabelo liso, que deixava
triste seu rostinho feliz, que deixava confuso o menino decidido, que deixava
sem teto quem tinha vinte casas.
Eu que sempre tive a casa de
papai e mamãe, dos dois sabe a casa que a gente mora, é tipo uma casa de
família normal, não que a gente seja normal sabe, mas a nossa família tem um
pai e uma mãe que mora junto, não que família que pai e mãe não mora junto não
seja normal, mas é que como meu pai e minha mãe mora junto, e mora-se com eles
eu e minhas irmãs como uma família normal, eu sempre tive uma referência de
casa, sempre tive um lugar para chegar em casa, tirar meu sapato chulézento e
esparramar no sofá e exclamar com os peitos cheios de ar “Home, sweet home”. Sempre
soube qual endereço colocar quando fosse fazer um cartão de crédito e mesmo que
eu me perdesse no mundo, bastava usar uma correntinha igual aquelas que
cachorro de rico usam, que saberiam de onde eu vim. E o menino não tinha isso. Quando
perguntavam “Quantos cômodos tem sua casa? ”, ele pensava: “Qual das casas?” e
respondia “Depende da casa!” e pensavam: “Que menino presunçoso, precisa de
falar que é rico e tem mais de uma casa?”, mas não sabiam malditos perguntantes
que o menino não tinha casa, ele habitava casas.
É estranho imaginar como alguém
que tem várias casas não tem um lar. É algo meio que: “E se eu for ficar rico,
comprar um apê na Broadway e ficar assim, artista, e depois quebrar e precisar
voltar pra casa, pra que casa eu volto?” Um lar é uma referência. Um lar tem
aquele cheiro de esperança, aquele abraço confortante convidativo, um lar se
assemelha a um moletom velho e te leva para dentro, não te dá vontade de sair
mais de lá. Um lar te acolhe.
Um lar é mais que um endereço. É
mais do que um apanhado de objetos de luxo e renomados. Uma cama confortável tem
mais do que colchão de molas e travesseiro de penas de ganso, uma boa cama é
aquela que alivia o cansaço do dia inteiro estressante e o travesseiro bom é
aquele que tolera suas lágrimas e ouve seus planos, seus sonhos de transar com
um número sem fim de pessoas e não conta para ninguém; o bom travesseiro é
aquele que é marcado por achocolatado e baba.
O menino mora em uma casa, mas
estranha as paredes. Ele usa o banheiro, mas toma banho rápido para ser educado.
Ser educado para quem, menino? O menino coloca pouca comida no prato, pois não
quer ser um peso, ou causar má impressão. Mas, para quem menino? Ele dorme com
travesseiros bons, mas não se acostumou com o cheiro de comum. O menino vive pirado
chorando um lar. O menino chora tudo, nem parece um menino do tanto que chora.
O menino precisa de um lar. Mais
do que um endereço na Quinta Avenida ou em Copacabana, ele precisa de um lar. Seja
o lar desse menino. Mostre esse menino o calor familiar de um coração.
“Nesse quarto escuro existe um
menino assustado, ele é sozinho e teme que o mundo encontre o seu cantinho, me
entrega ele pra cuidar [...]”
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