domingo, 2 de agosto de 2015

Deixando-me morrer aos poucos

No começo do ano, ingressei-me numa instituição de ensino superior. O foco era certo: vou estudar para tornar-me professor de matemática. Juntamente com a ideia de universitário, amontoou nos meus ombros, a responsabilidade dos 18 anos. Ter que me sustentar, ajudar nas despesas de casa, deixar de ser um menino… tudo isso tive que me acostumar, e ainda me dedicar aos meus sonhos, as minhas produções escritas, as leituras de livros, aos filmes, ao trabalho, aos meus amigos, á tudo.
Porém, quando se tem muita coisa que requer sua dedicação, algumas vão se tornando mais importantes e outras menos importantes. E no meu caso, o preço foi alto. Antes, quando eu era apenas um menino crescido de 18 anos, eu tinha uma vida bem suave, saía sempre com amigos, lia livros, assistia séries, ficava no muro de casa vendo o movimento, trabalhava nos dias que me sentia bem, falava com os amigos ao telefone, promovia cachorros-quentes em algumas tardes para os mais chegados. Eu tinha aquilo que se chama de vida ideal, e ressalto que: não precisava de coisas caras, como celular moderno, ou sapato que foi lançado semana passado, e muito menos usar o corte de cabelo do ator da novela.  Engraçado que eu tinha tão pouco, mas tinha sonhos e satisfação quando realizava algum.
Quando houve a transição de menino crescido de 18 anos, para o homem de 18 anos, parte de mim foi se perdendo aos poucos. É engraçado como seis meses revelam lados opostos de um mesmo ser. E quando chega a hora de tomar conta de mim, quando meus pais deixam de ir nas minhas reuniões escolares, e eu posso enfim controlar meu mundo, me vejo preso à um mundo que dá medo. Antes, eu podia me defender das coisas, eu tinha direito de resposta, havia um diálogo, e hoje, tenho que ser esperto e passar por cima de alguém, antes que passem por cima de mim. Sair da minha pacata Vespasiano para estudar em Belo Horizonte foi bom pois meu horizonte cresceu, o leque de pessoas interessantes (e desinteressantes) cresceu consideravelmente, mas cresceram também os medos, os apontamentos, cresceram as responsabilidades e veio a pressão de me preocupar com o horário. 
O relógio que antes nem sequer pensei um dia usar e posteriormente assumiu um posto de ser um objeto de elegância, hoje informa-me que é hora de apertar mais o passo para não chegar atrasado à aula. O relógio fala que é hora de levantar e me arrumar correndo para ir trabalhar. Ele me diz o tempo que terei para só para mim, longe do infernal olhar julgador das pessoas. E saibam já: o tempo que tenho para mim é quando retorno do trabalho para casa, cerca de 2km, e posso falar comigo mesmo, cantar músicas em inglês, que a pronuncia assemelha-se ao árabe. Eu vivo dias preso a uma realidade que me consome. Meus amigos? Tenho tempo limitado para falar com eles. Se ligo para alguém, tenho aqueles breves 5 minutos antes de chegar o próximo cliente. E mesmo assim, na maior parte das vezes eles também estão presos em uma realidade que não gostam, mas correm atrás de seus sonhos e se deixam morrer aos poucos, mas parecem não se importar com isso, ou ao menos não reclamam.
Me sinto como um passarinho que antes dormir na gaiola era opcional. Podia voar livremente o tempo que quisesse e ter uma limitação maior era questão de escolha, e por ter escolhido trabalhar desde cedo, sempre fui alvo de elogios, comentários positivos, pessoas diziam apostar suas fichas em mim, e a gaiola me garantia esses elogios, essa coisa de ser “bem visto socialmente”. E eu me acostumei a essa vida limitada, mas sempre que queria podia voar. E parece que fui me apegando demais a gaiola e alguém, sem coração (ou talvez eu mesmo), numa noite enquanto eu dormia fechou a porta e eu não pude mais sair.
Eu sei que estou morrendo aos poucos. Leio cada dia menos livros, trabalho cada dia mais. Escrevo cada dia menos, faço cada vez mais cálculos matemáticos. Vejo menos amigos cada vez menos, penso cada vez mais em teorias da educação e como transformar a realidade de alunos que vivem nessa confusão do séc. XXI. Eu sei que estou morrendo aos poucos, e me tornando em um ser refém da realidade, do padrão, do politicamente correto, do relógio, das opiniões alheias. Sendo refém do “senso de ‘agradabilidade’”, dos medos e incertezas. Sendo refém de coisas que eu nem sei que existem, mas estão ali.
O mundo cresceu. O menino cresceu. O brilho se apagou. E sobre ele, só sei que se perdeu.


Nenhum comentário:

Postar um comentário