No começo do ano, ingressei-me
numa instituição de ensino superior. O foco era certo: vou estudar para
tornar-me professor de matemática. Juntamente com a ideia de universitário,
amontoou nos meus ombros, a responsabilidade dos 18 anos. Ter que me sustentar,
ajudar nas despesas de casa, deixar de ser um menino… tudo isso tive que me
acostumar, e ainda me dedicar aos meus sonhos, as minhas produções escritas, as
leituras de livros, aos filmes, ao trabalho, aos meus amigos, á tudo.
Porém, quando se tem muita coisa que requer sua dedicação,
algumas vão se tornando mais importantes e outras menos importantes. E no meu
caso, o preço foi alto. Antes, quando eu era apenas um menino crescido de 18
anos, eu tinha uma vida bem suave, saía sempre com amigos, lia livros, assistia
séries, ficava no muro de casa vendo o movimento, trabalhava nos dias que me
sentia bem, falava com os amigos ao telefone, promovia cachorros-quentes em
algumas tardes para os mais chegados. Eu tinha aquilo que se chama de vida
ideal, e ressalto que: não precisava de coisas caras, como celular moderno, ou
sapato que foi lançado semana passado, e muito menos usar o corte de cabelo do
ator da novela. Engraçado que eu tinha tão pouco, mas tinha sonhos e
satisfação quando realizava algum.
Quando houve a transição de menino crescido de 18 anos, para o
homem de 18 anos, parte de mim foi se perdendo aos poucos. É engraçado como
seis meses revelam lados opostos de um mesmo ser. E quando chega a hora de
tomar conta de mim, quando meus pais deixam de ir nas minhas reuniões
escolares, e eu posso enfim controlar meu mundo, me vejo preso à um mundo que
dá medo. Antes, eu podia me defender das coisas, eu tinha direito de resposta,
havia um diálogo, e hoje, tenho que ser esperto e passar por cima de alguém, antes
que passem por cima de mim. Sair da minha pacata Vespasiano para estudar em
Belo Horizonte foi bom pois meu horizonte cresceu, o leque de pessoas
interessantes (e desinteressantes) cresceu consideravelmente, mas cresceram também os medos, os apontamentos, cresceram as
responsabilidades e veio a pressão de me preocupar com o horário.
O relógio que
antes nem sequer pensei um dia usar e posteriormente assumiu um posto de ser um
objeto de elegância, hoje informa-me que é hora de apertar mais o passo para
não chegar atrasado à aula. O relógio fala que é hora de levantar e me arrumar
correndo para ir trabalhar. Ele me diz o tempo que terei para só para mim,
longe do infernal olhar julgador das pessoas. E saibam já: o tempo que tenho
para mim é quando retorno do trabalho para casa, cerca de 2km, e posso falar
comigo mesmo, cantar músicas em inglês, que a pronuncia assemelha-se ao árabe.
Eu vivo dias preso a uma realidade que me consome. Meus amigos? Tenho tempo
limitado para falar com eles. Se ligo para alguém, tenho aqueles breves 5
minutos antes de chegar o próximo cliente. E mesmo assim, na maior parte das
vezes eles também estão presos em uma realidade que não gostam, mas correm
atrás de seus sonhos e se deixam morrer aos poucos, mas parecem não se importar
com isso, ou ao menos não reclamam.
Me sinto como um passarinho que antes dormir na gaiola era
opcional. Podia voar livremente o tempo que quisesse e ter uma limitação maior
era questão de escolha, e por ter escolhido trabalhar desde cedo, sempre fui
alvo de elogios, comentários positivos, pessoas diziam apostar suas fichas em
mim, e a gaiola me garantia esses elogios, essa coisa de ser “bem visto
socialmente”. E eu me acostumei a essa vida limitada, mas sempre que queria
podia voar. E parece que fui me apegando demais a gaiola e alguém, sem coração
(ou talvez eu mesmo), numa noite enquanto eu dormia fechou a porta e eu não
pude mais sair.
Eu sei que estou morrendo aos poucos. Leio cada dia menos
livros, trabalho cada dia mais. Escrevo cada dia menos, faço cada vez mais
cálculos matemáticos. Vejo menos amigos cada vez menos, penso cada vez mais em
teorias da educação e como transformar a realidade de alunos que vivem nessa
confusão do séc. XXI. Eu sei que estou morrendo aos poucos, e me tornando em um
ser refém da realidade, do padrão, do politicamente correto, do relógio, das
opiniões alheias. Sendo refém do “senso de ‘agradabilidade’”, dos medos e
incertezas. Sendo refém de coisas que eu nem sei que existem, mas estão ali.
O mundo
cresceu. O menino cresceu. O brilho se apagou. E sobre ele, só sei que se
perdeu.
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