Queria nesse dia de hoje
escrever minha última crônica. Sim, como Fernando Sabino, que escreveu A Última
Crônica e coisas mais depois. Queria falar do meu domingo silencioso, inquietante,
narrar de modo bonito e emocionante minha caminhada pela rua, contar em versos
bem escritos sobre o meu desespero perante o dever de matemática...
Queria escrever pela última
vez que tudo valeu a pena. E se eu viesse a escrever é que de fato teria valido
a pena. Queria falar que fui feliz com o que li e por tudo que li, mas ainda
não li coisa nenhuma. Poucos livros que não me fazem digno nem de um voucher de
desconto numa livraria. Queria agradecer aos santos por todas as músicas
ouvidas, mas o que eu ouvi nessa vida? Nem sei se posso chamar de música esses
troços que eu programo e sai um barulho cantado nos periféricos acústicos.
Queria escrever pela última
vez algo meu. Mas não. Não há nesses 19 anos de idade produto meu que me encha
os olhos e tenha efeito ao menos similar a tudo que já foi dito. “Tanto a ser
dito, tanto a ser vivido”. Queria escrever pela última vez usando uma máquina
de escrever velha, daquelas de ferro com as teclas macias como manteiga, sendo
impulsionado pelos tec-tecs do teclado, tendo o trabalho de manualmente pular
para a linha debaixo, quem sabe assim, eu me veria livre dessa maldita quebra
de linha automática que esse sistema de digitação informatizado nos impõe.
Queria escrever pela última
vez algo que fizesse-me sentir especial, e como um artista sob o palco no final
do show, poder me curvar diante da plateia em símbolo ao agradecimento. Mas eu?
Eu que não fui nada. Eu que, parafraseando uma das amizades bêbadas que eu
tenho, “sou coadjuvante em minha própria vida”. Eu que fui o produto dos
incertos: o incerto de dois pais inexperientes, criado no incerto da periferia,
crescendo assistindo o incerto do mundo pela ótica incerta da televisão,
acreditando na incerta possibilidade de ser alguém na vida, e hoje, na ânsia de
escrever minha última crônica, eu queria poder ao menos responder, de maneira
menos incerta possível: que merda é essa de ser alguém na vida?
Queria escrever pela última
vez e tentar responder minhas perguntas, com certezas, verdades absolutas e imutáveis,
começando pelo maior questionamento da minha existência: quem sou eu? O que eu
sou, eu sei, e isso, Fernando Pessoa me fez o favor de deixa escrito quase cem
anos atrás, mas, quem eu sou? O produto do incerto? Quem partiu de um ponto em
lugar algum indo para algum lugar? Aquele que você nunca será? O que tinha tudo
para ser tudo mas optou por não ser nada?
Quem. Sou. Eu. ? .
Queria escrever pela última
vez que eu fui absurdamente feliz diante do pequeno leque de coisas para qual o
meu mundo se abriu. Certa ou incertamente, essa não será minha última crônica,
não que talvez eu volte a rabiscar o papel um dia, mas é que certamente não
devo parar. E até escrever de fato minha última crônica, tentarei reunir nesse
limitado corpo os elementos essenciais para um último texto decente. Sem
epitáfios.
I ’ m s o r r y a n d,
este não é, ainda, o meu fim.
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