Olá Caio. Estive hoje pensando um pouco em você e em sua
crônica em que você deu boas notícias, e depois disse que não passava de
informações falsas. As minhas notícias são verdadeiras, Caio, mas nem de perto
me causaram a emoção que as suas notícias nas pessoas.
Essa semana consegui um emprego novo, e no campo afetivo,
parafraseando uma música de hoje em dia, que eu juro que você não curtiria
jamais, “tá tranquilo, tá favorável”. Mas ainda falta alguma coisa. Ainda falta
aquele tesão de sexta à noite. Ainda me falta o olhar ampliado sobre o pequeno,
e o olhar pequeno sobre as coisas grandes. Mesmo com tudo no lugar, fico
angustiado com os problemas do meu país, e as pessoas que vivem na linha da
miséria. E a miséria humana, perdeu o caráter que você olhou vinte anos atrás e
tomou uma proporção imaginável. Fico angustiado por coisas que nem sei
explicar. Só dói, Caio. Chega a arder.
E falando em vinte anos, li outro dia uma carta endereçada
a você, e o motivo era vinte anos de sua partida. Como fiquei angustiado. Nem
tive a chance de conhecer-te. Talvez você nem gostasse de mim. E eu tentaria te
conhecer. Pode alguém, Caio, em sã consciência, chorar pela saudade que não sentiu?
Ou já é loucura? Pode a gente conseguir aquilo que é o mínimo e ainda sentir a
falta de algo? Me conte como você aliviava sua angustia, ou ela era eterna?
Vinte anos, Caio, e eu fico pensando: e se você tivesse
tido a sorte de ser soropositivo nos dias de hoje? Estaria aí feliz e sereno,
podendo aplaudir de pé Lygia Fagundes Teles, a quem dedicara sua coletânea
Ovelhas Negras em 1995, ser indicada pela Academia Brasileira de Letras para o Nobel de literatura. Poderia ver o
furacão Elza Soares ressurgir e badalar o sentido da vida com o álbum A Mulher do Fim do Mundo. Poderia ter
assistido o sucesso de Caetano e Gilberto Gil cortando o país e o mundo com uma
turnê comemorando 50 anos de carreira e amizade de ambos. Eu poderia ler mais
de sua produção literária, e talvez visitasse sua casa, e poderia ver você
acompanhando Fabrício Carpinejar no seu trabalho de levar a poesia para algumas
escolas públicas do Sul. Você conheceu o Fabrício, Caio? Ele é ótimo. É sulista
também!
É estranho lhe mandar essa carta sabendo que no mundo
concreto você nunca a lerá. Talvez eu a escreva para o lado Caio Fernando Abreu
que há em mim, (sim, Caio, na segunda década do século XXI as pessoas
construíram em suas vidas “um lado Caio Fernando Abreu” de leitura de vida). É
estranho pensar que sua obra não terá continuidade e tenho medo de um dia seus
analgésicos não aliviarem mais minha ferida. É estranho ver que você passou, e
foi, e aí eu vejo que todos passam e vão, e que eu estou passando e que cedo ou
tarde eu irei, e pelo menos, Caio, você foi e é lembrado, e se eu for e nem se
lembrarem de mim?
Espero que esteja bem onde estiver. Espero que haja
cigarros para você e papel e caneta. As coisas aqui não andam boas, e acredito
que do jeito que estamos de cabeça pra baixo, tudo ia acabar te sufocando.
Obrigado, Caio. Dê notícias de si!
Vespasiano, cinco de março de dois mil e dezesseis.
Att, Daniel Lucas Batista de Assis.
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