sábado, 5 de março de 2016

Querido Caio Fernando Abreu

Olá Caio. Estive hoje pensando um pouco em você e em sua crônica em que você deu boas notícias, e depois disse que não passava de informações falsas. As minhas notícias são verdadeiras, Caio, mas nem de perto me causaram a emoção que as suas notícias nas pessoas.

Essa semana consegui um emprego novo, e no campo afetivo, parafraseando uma música de hoje em dia, que eu juro que você não curtiria jamais, “tá tranquilo, tá favorável”. Mas ainda falta alguma coisa. Ainda falta aquele tesão de sexta à noite. Ainda me falta o olhar ampliado sobre o pequeno, e o olhar pequeno sobre as coisas grandes. Mesmo com tudo no lugar, fico angustiado com os problemas do meu país, e as pessoas que vivem na linha da miséria. E a miséria humana, perdeu o caráter que você olhou vinte anos atrás e tomou uma proporção imaginável. Fico angustiado por coisas que nem sei explicar. Só dói, Caio. Chega a arder.

E falando em vinte anos, li outro dia uma carta endereçada a você, e o motivo era vinte anos de sua partida. Como fiquei angustiado. Nem tive a chance de conhecer-te. Talvez você nem gostasse de mim. E eu tentaria te conhecer. Pode alguém, Caio, em sã consciência, chorar pela saudade que não sentiu? Ou já é loucura? Pode a gente conseguir aquilo que é o mínimo e ainda sentir a falta de algo? Me conte como você aliviava sua angustia, ou ela era eterna?

Vinte anos, Caio, e eu fico pensando: e se você tivesse tido a sorte de ser soropositivo nos dias de hoje? Estaria aí feliz e sereno, podendo aplaudir de pé Lygia Fagundes Teles, a quem dedicara sua coletânea Ovelhas Negras em 1995, ser indicada pela Academia Brasileira de Letras para o Nobel de literatura. Poderia ver o furacão Elza Soares ressurgir e badalar o sentido da vida com o álbum A Mulher do Fim do Mundo. Poderia ter assistido o sucesso de Caetano e Gilberto Gil cortando o país e o mundo com uma turnê comemorando 50 anos de carreira e amizade de ambos. Eu poderia ler mais de sua produção literária, e talvez visitasse sua casa, e poderia ver você acompanhando Fabrício Carpinejar no seu trabalho de levar a poesia para algumas escolas públicas do Sul. Você conheceu o Fabrício, Caio? Ele é ótimo. É sulista também!

É estranho lhe mandar essa carta sabendo que no mundo concreto você nunca a lerá. Talvez eu a escreva para o lado Caio Fernando Abreu que há em mim, (sim, Caio, na segunda década do século XXI as pessoas construíram em suas vidas “um lado Caio Fernando Abreu” de leitura de vida). É estranho pensar que sua obra não terá continuidade e tenho medo de um dia seus analgésicos não aliviarem mais minha ferida. É estranho ver que você passou, e foi, e aí eu vejo que todos passam e vão, e que eu estou passando e que cedo ou tarde eu irei, e pelo menos, Caio, você foi e é lembrado, e se eu for e nem se lembrarem de mim?

Espero que esteja bem onde estiver. Espero que haja cigarros para você e papel e caneta. As coisas aqui não andam boas, e acredito que do jeito que estamos de cabeça pra baixo, tudo ia acabar te sufocando.

Obrigado, Caio. Dê notícias de si!
Vespasiano, cinco de março de dois mil e dezesseis.


Att, Daniel Lucas Batista de Assis.

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