Fui ao festival Sarará em BH. Tudo muito organizado, duas entradas duplas, pessoas para dar informação, música Boa, qualidade do som, muita luz e pessoas simpáticas. Teve gaymada com um grupo de trans performistas, gritos e mais gritos contra a opressão, contra a discriminação por cor, orientação sexual, pessoas bem vestidas e com estilos de cabelo bastante alternativos, espaço para grafites. Tinha muita coisa, mesmo. Mas faltou o principal: gente de verdade.
O festival aconteceu no parque Municipal de BH, que é um espaço público. Porém a atração era paga. E longe de que isso seja o fim do mundo : o parque das mangueiras também é tido como espaço público e sempre é palco de algum evento. O fato pelo qual chamo a atenção é que o evento aconteceu em um espaço público com preço que não fez jus a ideia da atração: representatividade, desconstrução, inclusão. Não fui o único a perceber que não tinham pessoas de periferia lá. O evento não era para integrar essas pessoas. Sou de periferia e sei bem quando uma coisa é para o povo e quando não. Sarará não foi para o povo. Tinham alguns negros, em uma quantidade assustadoramente menor que brancos, e as trans presentes traziam em seu semblante o ápice do glamour, do luxo, da confiança e da ostentação. Fiquei triste. Mais uma vez a periferia não se fez presente.
O evento estava vazio. Dos 5 lotes prometidos de ingresso, não esgotou o terceiro, e quem estava dentro, sentiu no bolso um preço exorbitante de produtos, que por si, já pagavam o valor do ingresso. Lata de cerveja 350 ml? 7 pilas. Água 500 ml? 6 pilas. Hot dog? 10 pilas.
Os cantores todos gritavam contra um tipo de repressão. MC Marechal encheu nossos olhos de lágrima com a sua segunda música na noite. Criolo cantava a desconstrução, falava da violência contra a mulher, mas tinha ao fundo uma barraca que vendia seus produtos oficiais que iam desde camisas com seu rosto estampado até uma cerâmica com sua face estampada. No evento predominava grandes barracas que pareciam verdadeiros bares e restaurantes e nas placas, grandes nomes como os da Savassi, e que tinham um preço tabelado. Não tinha como discutir, pedir um real mais barato ou comprar em outro lugar. As barracas eram com produtos permitidos com os preços tabelados e do lado de fora de tudo, do evento e do espaço púbico, pessoas tentavam vender sua bebida, sua comida, na humildade. Até para entrar para trabalhar não podiam.
Liniker, que eu amo tanto, cometeu uma gafe. Gritou: vamos ocupar os espaços públicos. Acho que foram românticos com ele ao dizer que aquele espaço era publico. O espaço foi público naquele dia das 09 às 17 e no domingo seria das 09 as 17. Mas não foi durante o Sarará. Aquele parque estava todas as coisas, menos público.
Em uma hora fui brincar de grafitar. Grafitei uma palavra, meu primo não tinha grafitado nada. Um fotógrafo convidou ele para grafitar e o fotógrafo tiraria fotos. Meu primo foi. Pegou a lata, grafitou por um bom tempo, O fotógrafo filmou, bateu fotos, olhou o visor da câmera e foi embora, do nada, sem despedir.
Uma travesti gritou a todos para que pensassem porque naquele espaço não estavam os negros e trans de periferia. Foi o mais sensato dos gestos. Mais sensato que os gritos de Fora Temer. Gritaram Fora Temer várias vezes, talvez era verdadeiro em todos os corações, talvez era só uma questão de aceitação social de si.
Se eu puder resumir o que foi o Sarará, foi um evento elitista, branco, que além de caro, segregou pessoas, deixou do lado de fora os vendedores de cerveja e refrigerante que deixaram na noite de sábado o conforto de casa para correr atrás de um dinheiro. Foi um evento que deixou de fora os verdadeiros reprimidos, os verdadeiros resistentes. Foi um evento que vendeu uma imagem de naturalidade, mas era forçado, muita gente sentia. Era uma prisão dentro de um mundo prisioneiro. Você tinha uma qualidade de cerveja. Uma qualidade de água. Uma qualidade de refrigerante. Um lugar que vendia cada tipo único de comida.
Você não podia entrar com garrafa de água, bebida ou Guarda chuva. Pagamos para ser humilhados, ser revirados. Pagamos para gritar por uma liberdade por alguém que não estava lá. Nesse sentido, prefiro me ater aos sarais de poesia que pelo menos abrem a porta a todos.
O preço cobrado pelo Sarará foi muito alto: pagamos pelas telas led, pelas entrevistas simultâneas, pela segurança reforçada, pela iluminação impecável, pelos bares hiper refinados, pelas barracas selecionadas, pagamos pela segregação e tudo isso num espaço público.
Eu paguei um preço a mais: paguei com minha sanidade, com os meus sentimentos e com a esperança de um lugar onde todos pudessem ser quem eles eram. Mas "todos" não cabia no Sarará e vejo que é hora de repensar que palavras bonitas são essas que estão no banner, nós panfletos, nas bocas dos apresentadores e não na essência. Não no coração.
Eu saí de casa para ver gente, ver o povo que luta, resiste e grita contra o sistema. Era melhor ter ido nos bares ao centro de BH ou ficado no meu bairro mesmo. Pelo menos o riso não parecia pago.
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