Nas últimas semanas, com tempo livre para tudo demais,
comecei a observar meus dentes. Eu tenho umas falhas. Irregulares. Bastante irregulares.
Sempre que tiro uma foto sorrindo, dou zoom nos dentes e analiso as falhas. Por
trás das falhas eu vejo lacunas.
Lacunas abertas que são o espaço de quem já foi. Feridas
abertas. Consertar essas falhas demandarão tempo, esforço e dor. Fechar as
lacunas também. Não é como se uma pessoa coubesse na falha dos meus dentes: existem
lacunas que tem um tamanho específico, e se formos mais insistentes, talvez
encontraremos cpf e rg de quem deixou a lacuna.
Estar de férias é bom porquê eu posso recuperar a
energia. Recuperar demais. As vezes tudo já foi recuperado – e é hora de olhar
o espelho. Os espaços entre dentes – lacunas na alma -, os quilinhos a mais
balançando para lá e para cá, as espinhas explodindo dando a sensação de estar
numa constante onda de ansiedade – que fisicamente não tenho sentido. Tudo que
eu sinto ultimamente são os meus movimentos.
Semana passada recebi dois amigos em casa. Ela veio na
quarta e conversamos sobre os sentimentos de ser quase adultos. Ele veio na
quinta e eu pude sentir que não estou sozinho nas perdições do mundo. Não é como
se a gente buscasse pessoas que sofrem como nós, mas ter alguém que te entenda
e te abrace, jurando que tudo vai ficar bem - até porquê ele acredita veemente
nisso para si -, é uma das melhores coisas que podem acontecer numa quinta-feira
de janeiro.
No sábado conversei sério com meus pais e pude abrir a janela
para o sol entrar e expulsar os vampiros. Agora sou mais eu. Olho para o
espelho, vejo meus olhos retomarem o brilho. Não durmo mais com a TV ligada.
Leio bastante (5 livros nesses 17 primeiros dias de 2018), converso muita coisa
importante com uma amiga no Whatsapp, estudo para provas, penso no TCC, cuido
dos projetos pessoais, interajo com pessoas no Instagram, e o sorriso ainda
representa as lacunas.
Especificamente hoje, 17 de janeiro, eu acordei um pouco
estranho. Seja o resfriado a quem culpo o ventilador ou as minhas energias me
lembrando que eu poderia estar fazendo mais, ou saudade dos meus amigos, ou os
fantasmas que estão rondando para ver se me assustam: hoje foi um dia difícil.
Não que tenha acontecido algo grande demais, ou pesado demais, ou chato demais:
foi um dia que eu vivi em terceira pessoa. “Vire à direita”. “Tempere o cará”.
Para finalizar esse dia, uma playlist de MPB. Não para
parecer algo que não sou, ou forjar sentimentos que não são meus: é para abrir
os canais e deixar as lágrimas lavarem as lacunas da alma. Será vontade de usar
o cartão de crédito? Será vontade de reafirmar a minha identidade? Será o calor?
Acho que não, não e não. Acho que são as lacunas, que deixam tudo silencioso
demais e faz com que qualquer ruído ganhe um eco ensurdecedor, que dá ainda
mais a noção de vago.
Tenho mais duas semanas, e o amanhã vai ser melhor.
Ou não.
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