segunda-feira, 20 de abril de 2020

Minha mãe arruma as coisas


Tem uma característica da minha mãe que eu levei anos para aceitar. Ela é uma arrumadora oficial. Se uma panela fura, ela logo providencia um durepox, ou se alguma peça de roupa descostura, ela sempre se prontifica a reforçar a costura. Quando um celular dá um problema ela visita a assistência técnica e quando o copo do liquidificador quebra ela sempre vai atrás de outro, mesmo que isso signifique entrar e sair de dezenas de lojas no centro de Belo Horizonte atrás de um copo que sirva.

Millenial que sou, estou acostumado a época do descarte. A roupa furou? Preciso de nova. Quebrou a tela do celular? Não vale a pena o conserto, um novo dá menos dor de cabeça. A cadeira quebrou? A gente compra outra de dez vezes. E assim vou nutrindo a cultura do descarte, da substituição.

Mas vez por outra minha mãe me confronta. Mesmo sem dizer nada ela me põe para pensar: “o que minha mãe faria nessa situação? ”. E as vezes, quase sempre, a minha mãe faria o melhor – e o melhor muitas das vezes é pegar a mesa com o pé bambo e colocar uma borracha para calçar ou comprar um lustra móveis para os móveis que já aparentam a falta de brilho e até mesmo pregar o botão naquela camisa que perdeu os seus na pressa que estamos indo de um lugar a outro.

A melhor lição de conserto que fica das arrumações da minha mãe é o cuidado que ela tem em ‘cuidar’ das coisas. Você não ouve minha mãe dizer coisas definitivas – nunca e para sempre são palavras que ela quase nunca diz. E também ela é sempre moderada: não se altera, vê a situação chegando e mantêm-se em alerta tentando conter os excessos. É assertiva. Busca o band-aid certo para a ferida certa. Se tem um problema ela vai naquilo: não problematiza, não romantiza, não contextualiza. Não interessa o certo ou errado, o conceito ou o pré-conceito ou o ponto e o contraponto. É uma mestra do cuidar.

E eu demorei para aceitar que podemos consertar as coisas. Que não é porquê um copo caiu no chão que ele precisa ir pro lixo – aprendi na prática, inclusive, que um copo quebrado é ótimo para colocar plantas menores. Aprendi que mesmo os menores pedaços merecem serem juntos e colados. Aprendi que antes de jogar algo fora temos que verificar se nada daquilo pode ser salvo, se não estamos criando necessidades demais de coisas novas, numa tentativa de abandonar para trás um problema que pode estar em nosso comportamento.

Minha mãe arruma as coisas e eu aprendi, depois de achar que não, que as coisas precisam ser arrumadas. Aprendi que com o tempo os móveis perdem o brilho e vamos ter que usar o lustra-móveis, que o rejunte do piso da cozinha vai escurecer e vai ser necessário uma boa esfregação, que roupas podem descosturar debaixo do braço e não é crime passar a mão na linha e na agulha e dar uns pontos. O que não pode é sair descartando as coisas, sair desistindo e abrindo mão.

É preciso cuidar. É preciso arrumar. É preciso consertar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário