Tem uma
característica da minha mãe que eu levei anos para aceitar. Ela é uma
arrumadora oficial. Se uma panela fura, ela logo providencia um durepox, ou se
alguma peça de roupa descostura, ela sempre se prontifica a reforçar a costura.
Quando um celular dá um problema ela visita a assistência técnica e quando o
copo do liquidificador quebra ela sempre vai atrás de outro, mesmo que isso
signifique entrar e sair de dezenas de lojas no centro de Belo Horizonte atrás
de um copo que sirva.
Millenial
que sou, estou acostumado a época do descarte. A roupa furou? Preciso de nova.
Quebrou a tela do celular? Não vale a pena o conserto, um novo dá menos dor de
cabeça. A cadeira quebrou? A gente compra outra de dez vezes. E assim vou
nutrindo a cultura do descarte, da substituição.
Mas vez por
outra minha mãe me confronta. Mesmo sem dizer nada ela me põe para pensar: “o
que minha mãe faria nessa situação? ”. E as vezes, quase sempre, a minha mãe
faria o melhor – e o melhor muitas das vezes é pegar a mesa com o pé bambo e
colocar uma borracha para calçar ou comprar um lustra móveis para os móveis que
já aparentam a falta de brilho e até mesmo pregar o botão naquela camisa que
perdeu os seus na pressa que estamos indo de um lugar a outro.
A melhor
lição de conserto que fica das arrumações da minha mãe é o cuidado que ela tem
em ‘cuidar’ das coisas. Você não ouve minha mãe dizer coisas definitivas – nunca e para sempre são palavras que ela quase nunca diz. E também ela é
sempre moderada: não se altera, vê a situação chegando e mantêm-se em alerta
tentando conter os excessos. É assertiva. Busca o band-aid certo para a ferida
certa. Se tem um problema ela vai naquilo: não problematiza, não romantiza, não
contextualiza. Não interessa o certo ou errado, o conceito ou o pré-conceito ou
o ponto e o contraponto. É uma mestra do cuidar.
E eu
demorei para aceitar que podemos consertar as coisas. Que não é porquê um copo
caiu no chão que ele precisa ir pro lixo – aprendi na prática, inclusive, que
um copo quebrado é ótimo para colocar plantas menores. Aprendi que mesmo os
menores pedaços merecem serem juntos e colados. Aprendi que antes de jogar algo
fora temos que verificar se nada daquilo pode ser salvo, se não estamos criando
necessidades demais de coisas novas, numa tentativa de abandonar para trás um
problema que pode estar em nosso comportamento.
Minha mãe
arruma as coisas e eu aprendi, depois de achar que não, que as coisas precisam
ser arrumadas. Aprendi que com o tempo os móveis perdem o brilho e vamos ter que
usar o lustra-móveis, que o rejunte do piso da cozinha vai escurecer e vai ser
necessário uma boa esfregação, que roupas podem descosturar debaixo do braço e
não é crime passar a mão na linha e na agulha e dar uns pontos. O que não pode
é sair descartando as coisas, sair desistindo e abrindo mão.
É preciso
cuidar. É preciso arrumar. É preciso consertar.
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