domingo, 19 de abril de 2020

“Presente?” “Ausente, professora”


Tem uma fixação no mundo atual pelas frases imperativas. É uma coisa quase sexual. Todo mundo sabe muito sobre o que tem que ser feito. “Faça uma poupança”. “Pratique exercícios”. “Estude inglês”. “Medite”. “Viva o presente.” E não questiono nada disso; eu gosto até. Mas há uns problemas.
Toda vez que leio uma lista do que fazer, de como ser bem sucedido, uma parte de mim morre. Seja a sensação de estar fazendo as coisas certo ou a crença de ter cuidado bem de mim até aqui. Parte de mim morre porquê em maior ou menor grau gostamos de estar em sintonia com as tendências, ou me diga que você não sente um orgulhozinho por deixar o lado esquerdo da escada rolante livre para os apressados?
A questão é que tudo o que evoca no ser a necessidade de se enquadrar em algum grupo, “grupo dos que poupam”, “grupo dos que leem”, “grupo dos que sabem inglês”, evocam no ser a ANSIEDADE. E pra quem convive com a ansiedade (que é muito diferente do que o excesso de futuro como alguns chamam), sabe o inferno de sentir-se deslocado em sua situação atual.
O que eu quero dizer aqui é que toda vez que abrimos um vídeo e alguém começa a elaborar uma lista de “10 coisas que você não pode fazer para ser bem sucedido” ou “5 formas de juntar 10 mil reais” a parte que não estamos discutindo, mais do que o sucesso e a plenitude, é que há alguém em busca de uma solução para si próprio e que as nossas formas mais desenquadram do que enquadram, nossos conteúdos mais deformam do que formam; nossos rituais cura mais adoecem do que curam.
O que temos que discutir agora é como amar o que estamos sendo nesse momento. Temos que ensinar os sujeitos a olharem no espelho e ver a partir do encontro do seu eu real com o imagético a essência que borbulha dentro de si. As lutas por quais todos passamos precisam ser reconhecidas como parte que compõem o eu de hoje. Eu sou forte por venci isso, isso e aquilo. As lutas por quais todos passaremos ainda hão de chegar e não dá para continuarmos nutrindo o distanciamento do presente rumo a um futuro incerto ou a partir da reflexão sem fim do passado.
É preciso o hoje, o agora. Carecemos de presente. Carecemos de viver o dia sem planejamento e chegar ao final dele sem culpa. Que o dia seja dia. Precisamos parar de falar em fórmulas, em estratégias, em checklists, de falar em projetar o futuro.
“Onde você quer estar em dez anos?”. “Você não acha que deveria fazer a faculdade?”. “Você precisa trabalhar suas crenças limitantes”. Tudo isso tem que ser discutido quando sujeito entende todos os seus processos e está bem com o hoje. E que o hoje se conecte com o amanhã. Num processo. Não dissociando tudo. Não dissociando o homem do que ele vê no espelho. Não criando urgência de matar o eu de agora e sim entendendo que, se há necessidade, haja uma progressão, mas que esta é feita de uma sucessão de presentes que valham ser vividos por si e não a obsessiva necessidade de um chegar lá.
Não há um lá. O tempo todo é o aqui. E o agora.

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