domingo, 12 de setembro de 2021

Carta de amor

 Para ser lido ao som de Vida A Dois da banda Mar Aberto.

           

Tantos dias juntos e um número maior de dias separados, nos trouxeram até aqui. Moços com mais de 25, rapazes que tiveram que aprender os sabores doces e amargos do que é amar rapazes e com uma vontade de viver. Viver muito. Viver cada momento. Viver tudo o que se pode. Viver duas coisas juntas - como comer batata frita com milk shake - com medo de não dar tempo de tudo.

Tantos dias juntos e um número maior de dias separados e eu ainda não perdi a mania de contar quantos dias faltam para você chegar. Pode ser uma falta tremenda de afeto. Ou pode ser só a saudade do seu calor. O calor do seu corpo, o calor da corpulência, o calor das palavras, das tardes à toa vendo TV, o calor das panelas no fogão, o calor da sua perna encostando na minha mão enquanto eu passo marcha. O calor de você juntinho comigo enquanto participamos de videochamadas aos sábados de manhã. O calor de você mimando os cachorros. O calor que é só ver você.

Com você, basta te ver, mais nada.

Só te ver.

Tantos dias depois e mais um monte para a frente e você se abriu para que as suas flores floresçam. É um processo bonito de se ver, mas ao mesmo tempo extremamente complicado: e quando for eu quem tiver de te regar, será que serei tão cuidadoso como você foi comigo quando minhas flores precisaram de água? Será que eu serei capaz de ouvir suas outras vozes que saem cada vez mais potentes e anunciam a força desse homem, que apesar de calmo, sereno, tenro, tem muito a dizer, a ser, a viver.

Tantos dias depois juntos e a promessa de vivermos juntos ainda pela vida inteira e tudo o que eu posso te dizer é que eu te compreendo, mas ainda tateio na arte que é entender você. Como quem lê livros, eu tento te ler, sei o significado dos conceitos, mas hesito na arte de entender todo esse universo que aos poucos se expande um pouco mais.

Tantos dias depois juntos e com uma lista infinita de pratos para fazermos juntos eu comecei a conhecer o seu paladar. A sua mania de me contar o que comeu - no almoço, lanche ou jantar - e descrever minuciosamente as nuances de cada alimento: a carne estava cozida assim, a sanduíche tostado por fora e macio por dentro, a fatia de pizza com muito frango desfiado. A sua mania de querer que a gente cozinhe juntos e de sempre tentar algo novo: Daniboy, quais temperos temos?

Tantos dias juntos e tantos dias de despedida, ainda tenho lágrimas para chorar a projeção do que será a nossa despedida. Você sabe, eu sei, que nos viramos bem longe um do outro. É aquela coisa de acordar, vestir roupa, ir trabalhar, voltar para casa, conversar um com o outro, fazer planos, ir para a cama. Mas queremos mais. Sabemos que podemos mais. E por isso o choro: eu sei que eu me viro bem longe de você e que você se vira longe de mim, mas não quero isso. Choro por julgar ser insuportável chegar em casa e faltar a sua alegria para somar junto com a alegria dos cachorros. Mas eu sempre chego em casa e está tudo bem. Choro pela projeção da sua falta, pela sua parte vazia no quarto, por ser só um copo para ser lavado depois do café.

Tantos dias depois juntos, tantos outros que nos tornamos, tantos limites quebrados, tantos quilômetros percorridos, tantos pratos de comida que fizemos juntos, tantos desafios que passamos, tantos problemas, tantas soluções, tantas roupas que sujamos, tantas vezes que achamos que não tinha mais jeito, tantas vezes que encontramos novos jeitos, tantas idealizações e tantas realidades, eu não poderia querer um a gente diferente de tudo que somos. Mesmo com os parafusos para pôr no lugar, com os móveis para trocar, as paredes para pintar, a distância para superar. É a gente. Sempre a gente. Tão a gente. Pela gente. Com a gente. É a gente com a gente. E eu amo isso. Eu amo você por isso. Eu me amo por isso.

Eu amo a gente por isso. Tudo isso. Por isso e tantos issos que virão espero ansiosamente a sexta-feira. E o dia em que todos os dias serão as nossas sextas-feiras.

Nossos universos nunca foram tão amplos - e eu te amo demais por isso.

Um comentário:

  1. Que o amor prevaleça e seus escritos virem livros. Serei a primeira a comprar. Já estou pensando no lançamento da primeira edição dessas crônicas. Texto maravilhoso!

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