Talvez sempre sobrem parafusos depois que eu terminar de
montar os móveis.
Acordei pensando nisso outro dia. Quis saber, primeiro, o
porquê sempre se sobra parafusos. E em como esse excesso diz muito sobre uma
existência expansiva, recheada de hipérboles e superlativos.
Pensei, em seguida, que talvez não se tratasse de ser o excesso
de parafusos e sim uma ausência de furos suficientes. Fiquei supondo que talvez
pessoas que desenham a estrutura dos móveis não sejam as mesmas que projetam
seu design e que o moço que faz os furos talvez não seja o mesmo que separa o
número de parafusos em cada pacotinho.
Pensei também que é muito nova essa coisa da gente montar
nossos moveis. É algo que veio junto com a compra de móveis pela internet.
Antes, o montador era parte da experiência de comprar móveis em lojas físicas.
Pensei ainda sobre como a perda do processo de i) visitar
loja física, ii) escolher móvel, iii) sentar-se para negociar com o vendedor,
iv) comprar o móvel, v) deixar alguém em casa esperando o móvel ser entregue,
vi) receber o entregador, vii) deixar alguém em casa esperando o montador, vii)
receber o montador, tem feito a gente perder alguma coisa. Não consegui definir
o que, mas perdemos.
Depois de quase escrever um manifesto sobre como deveria
ser a nossa relação com os móveis, me dei conta de que com parafusos a mais ou buracos
a menos, em compras virtuais ou físicas, em julgamento sobre ser funcional ou disfuncional
nossas relações de consumo, me dei conta que os móveis seguem de pé, cumprindo
o que lhes é esperado, garantindo uma harmonia minimamente coerente com o ambiente,
servindo ao que lhe delegaram, suportando o peso que prometeram.
Apesar de não ser equilibrada e talvez ideal a forma como
um móvel é projetado, construído e nem ter os seus atores devidamente
reconhecidos, o móvel ainda cumpre o que lhe é desejado.
Sua madeira pode ser de origem limpa, ou fruto do
desmatamento ilegal que assola o país; foi comercializado por uma empresa que
pega todos os impostos, ou talvez sonegue parte deles; foi transportado por
populares que respeitaram a fragilidade de sua composição, ou simplesmente
tratado como um objeto e não ter lhe sido dispensado o cuidado desejado; ainda
assim ele cumpre o que lhe é esperado.
Com falta ou em excesso, ainda é completo em si. E não é
isso o que mais importa, – ou deveria importar?
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O título desse texto é uma releitura do nome dado por Paula Parisot a "Gonzos e parafusos".
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