quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Gonzos, gozos e parafusos

 Talvez sempre sobrem parafusos depois que eu terminar de montar os móveis.

 Acordei pensando nisso outro dia. Quis saber, primeiro, o porquê sempre se sobra parafusos. E em como esse excesso diz muito sobre uma existência expansiva, recheada de hipérboles e superlativos.

 Pensei, em seguida, que talvez não se tratasse de ser o excesso de parafusos e sim uma ausência de furos suficientes. Fiquei supondo que talvez pessoas que desenham a estrutura dos móveis não sejam as mesmas que projetam seu design e que o moço que faz os furos talvez não seja o mesmo que separa o número de parafusos em cada pacotinho.

 Pensei também que é muito nova essa coisa da gente montar nossos moveis. É algo que veio junto com a compra de móveis pela internet. Antes, o montador era parte da experiência de comprar móveis em lojas físicas.

 Pensei ainda sobre como a perda do processo de i) visitar loja física, ii) escolher móvel, iii) sentar-se para negociar com o vendedor, iv) comprar o móvel, v) deixar alguém em casa esperando o móvel ser entregue, vi) receber o entregador, vii) deixar alguém em casa esperando o montador, vii) receber o montador, tem feito a gente perder alguma coisa. Não consegui definir o que, mas perdemos.

 Depois de quase escrever um manifesto sobre como deveria ser a nossa relação com os móveis, me dei conta de que com parafusos a mais ou buracos a menos, em compras virtuais ou físicas, em julgamento sobre ser funcional ou disfuncional nossas relações de consumo, me dei conta que os móveis seguem de pé, cumprindo o que lhes é esperado, garantindo uma harmonia minimamente coerente com o ambiente, servindo ao que lhe delegaram, suportando o peso que prometeram.

 Apesar de não ser equilibrada e talvez ideal a forma como um móvel é projetado, construído e nem ter os seus atores devidamente reconhecidos, o móvel ainda cumpre o que lhe é desejado.

 Sua madeira pode ser de origem limpa, ou fruto do desmatamento ilegal que assola o país; foi comercializado por uma empresa que pega todos os impostos, ou talvez sonegue parte deles; foi transportado por populares que respeitaram a fragilidade de sua composição, ou simplesmente tratado como um objeto e não ter lhe sido dispensado o cuidado desejado; ainda assim ele cumpre o que lhe é esperado.

 Com falta ou em excesso, ainda é completo em si. E não é isso o que mais importa, – ou deveria importar?



O título desse texto é uma releitura do nome dado por Paula Parisot a "Gonzos e parafusos". 

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