sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Aos que já foram

27 anos e muita gente já foi. Algumas foram porque tinham que ir – morreram, se mudaram, perdemos o contato; outras foram porque preferiram ir, tem os que eu quis que fossem e tem os que foram pelo acaso, pelos mal entendidos, pelos ditos e não ditos.

27 anos e foram porque eu também fui. Fui e continuo indo. Me olho no espelho, confronto as minhas fotos e enxergo uma outra existência, com outras ideias, outros hábitos, outras formas de agir e ser. Era outro eu. Outro eu que gestou esse que vos escreve – e que na certeza carrega em seu ventre um outro eu que há de nascer em segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, para essa vida e para a próxima (que pode ser em outra dimensão ou na hora que eu levantar para ir fazer xixi).

27 anos e muita gente foi e sou agradecido pelo tempo em que ficaram. Vez ou outra começo a contar uma história e sinto uma alegria por ter vivenciado o que vivi, ter tido conversas que hoje são bases para as coisas que penso e que uso como pilar para algumas decisões. Tem às vezes em que ouço histórias e sinto que aquela vivência foi importante para o que se deu – peraí, deixa eu agradecer e falar que foi importante. Não sei se antes de ir, eu tive oportunidade de te falar: foi bom ter você aqui.

27 anos e sentindo que também estou sempre indo, já não sei mais se eu quero que as coisas voltem, porque apesar de sentir muita falta, já não sei se cabe. Não sei se eu quero sentar na frente da TV para assistir ao Videogame apresentado pela Angélica ou se faz sentido o Silvio Santos no Roda-roda Chevrolet. Foi muito bom ter chorado comigo mesmo indo para a faculdade achando que não daria conta e ter comido empadinha com Neumar subindo a Bahia, mas olha só, hoje podemos ir comer japonês num lugar legal. E é isso que me deixa em movimento: saber que as coisas estão indo e vindo. Indo, vindo, partindo, chegando, mudando, evoluindo. Para melhor ou não: é o efeito do tempo sobre o eu, sobre o outro, sobre o nós, sobre o que fazemos do eu, do outro, do nós e sobre o que fazemos do que foi feito.

27 anos e eu fui entendendo que de alguma forma todos estamos indo e talvez não faça sentido querer ficar. Até porque, quando temos a cabeça cheia, tudo cabe ali, menos o que ficou de fora. E não dá pra gente manter dentro algo que é de fora – cada coisa tem seu lugar. É sobre isso a nossa jornada.

27 anos e guardo com respeito todas as histórias, experiências e gestos. Fomos o melhor que pudemos – mesmo quando as atitudes não eram das melhores. Nem todos tivemos a oportunidade de desarmar as próprias bombas por si e às vezes escapava de estourar com os outros. Pôr as coisas no lugar é difícil. E palavras então...

27 anos e não me orgulho de todas as coisas e não me sinto certo em todas as vezes.

27 anos e sinto saudades. Saudades no plural. Saudades porque foi bom e me moldou. Saudades porque marcou no tempo algo importante – se foi bom ou não, depende do dia e do ponto de vista. Sou entusiasta da felicidade, para mim foi sempre bom.

27 anos e fui aprendendo a importância do luto. Fazer o luto sempre que o objeto que supre algum desejo se torna indisponível. Seja para a avó falecida ou a caneta que guardamos desde a adolescência: aprender a encarar a falta, o lugar em branco, o vazio, a lacuna, o eco dos cômodos vazios. Não incorrer no erro de tentar preencher de qualquer forma, como se a parte que falta fosse suprível.

27 anos e aprendi que não é porque acabou que é ruim. Foi bom enquanto durou. E entender que as coisas não se inscrevem no tempo de forma definitiva, me ajuda a lidar com quando elas mudarem. As coisas estão. Estão. Estar e não necessariamente ser. Ou se é, é provisório, já que tudo muda.

27 anos e gosto de contar a parte boa das coisas, por mais que sempre fui mais próximo do trágico. Conto das idas ao cinema com aquele amigo legal ou dos cafés da tarde. Gosto de falar dos amigos que se beijavam quando a gente saía ou daquele que mergulhava em questões profundas sobre a existência. Penso nos sonhos, nos papos e no que foi bom.

27 anos e olho para o que foi e reverencio, mas estou atento ao que será. Tenho comigo o compromisso de sempre me lembrar de que o que fui forjou o que sou e o que sou forjará o meu eu do futuro. Não posso parar na estrada e fixar minha mente no quanto já caminhei – preciso olhar para quais rumos a estrada me prometem e como me ponho diante deles. Tenho alegria pelo eu menino, mas me preocupo em deixar o corpo saudável para o eu idoso. Lembro das vezes em que ia bater perna no centro de Belo Horizonte no meio de semana, mas estou de olho no Google Flights para ver as exposições em São Paulo em 2024. Porque eu sei que fui e o que foram, mas eu sei também que serei e que esse é talvez o maior compromisso comigo. Garantir que eu seja e esteja bem, com o coração entregue, com as ideias ventiladas, fiel a mim, negociando o que cabe negócio e firmando o pé no que já se firmou.

27 anos e por mais que eu ame festivais, prefiro ir a shows em um teatro com poltronas numeradas, porque entendi que as coisas tem um tempo e não é necessariamente só cronológico. Gosto da ideia de timing para pensar no tempo certo. E o tempo certo é o tempo do agora. Agora tal coisa não faz mais sentido. E entender que pode ser que volte a fazer sentido daqui a meia hora ou que nunca mais faça. E está tudo bem. Não tem regra.

27 anos e muita gente foi. Mas também muita gente ficou, muita gente vai e muita gente virá. Eu fui, eu fiquei, eu irei, eu virei. E tudo segue do jeito que dá pra ser. Curioso é que eu já disse que amava quem por acaso já foi e para alguém que ficou eu nunca disse.

Não tem regra pra existência.

A gente é o que dá conta. E nem sempre a gente dá conta do que é.

E está tudo bem.

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